terça-feira, 12 de novembro de 2013

O DESIGNER DE EMBALAGENS DE CD CHEGA AO INFERNO

Conto do comediante Steve Martin

Rafo Castro, designer e ilustrador

Os portões flamejantes do inferno se abriram e o designer de embalagem de CDs entrou para a fanfarra do Diabo.
- Queríamos ele aqui em embaixo havia tempos – disse o Coisa-Ruim a seus lacaios –, mas resolvemos esperar, porque ele estava fazendo um trabalho tão bom lá em cima, embalando CDs com celofane e aquela fita. Convidem-no para jantar e chamem também o pessoal dos manuais de computador.
O Diabo desapareceu, perdendo a calorosa demonstração de afeto oferecida ao inventor.
- O próprio Belzebu sofreu um talho horrível no dedo tentando abrir “O Melhor de Bárbara Sreisand” – sussurrou um diabrete.
Uma serpente aproximou-se sinuosamente e enrolou-se na perna do inventor.
- Ele vivia encantado com o pessoal do controle remoto e seus minúsculos botões amontoados e abreviaturas enigmáticas – contou a cobra –, mas agora só quer saber de você, você e você. Venha, vamos aprontá-lo para o jantar. Podemos falar de sua tarefa mais tarde.
Enquanto a serpente guiava o recém-chegado até os quartos de vestir do inferno, uma expressão de curiosidade surgiu em seu rosto.
- Como você fez? – perguntou ela. – Como fez para criar aquela embalagem? Todos aqui querem saber.
O inventor, com os pés confortavelmente em chamas, e lisonjeado com todo aquele reconhecimento, se sentiu em casa.
- A embalagem “caixa de jóia” plástica original era fácil demais de abrir – explicou ele. – Quer dizer, se vamos impedir o acesso ao consumidor, por Deus, vamos impedi-lo de verdade! Eu queria uma embalagem que fizesse o consumidor correr à cozinha em busca de uma faca, assim havendo uma chance de pelo menos ele cortar a mão.
- Foi quando você teve a idéia do invólucro plástico? – quis saber a serpente.
- Isso serviu por um tempo. Eu gostava porque não havia nenhum lugar para enfiar a unha e rasgar, mas eu sabia que podia melhorar ainda mais. Foi quando pensei no celofane, celofane com a ilusão de uma fita para abertura, onde na verdade não existe fita.
Naquela noite, no jantar comemorativo realizado uma vez a cada era para homenagear os recém-chegados, o inventor sentou-se à direita do Diabo. À esquerda sentou-se Cérbero, o cão de guarda de Hades e famoso designer do abacaxi. O Diabo bateu papo com o inventor a noite inteira e depois pediu a ele que abrisse outra garrafa de vinho, dessa vez com um saca-rolhas de duas pontas. O inventor suou, e uma hora depois a garrafa foi aberta.
A princípio, ninguém percebeu o tumulto abafado vindo de cima, que logo se transformou num clamor prolongado. Todo o grupo acabou olhando pro teto, e o Diabo notou que a atenção de todos se desviara. Ele olhou para cima.
Três anjos pairavam no éter, cada qual segurando um objeto. O inventor reconheceu cada um deles: a caixa de leite, o saco plático ziploc e a banana, três embalagens de design perfeito. Ele se lembrou de como costumava admirá-las antes de se voltar para o mal. Os três anjos deslizaram em direção ao tablado.
Um deles segurou o ziploc sobre o pessoal dos frascos de aspirinas e banhou-os numa luz etérea. Um brilho amarelado que saiu da banana inundou o cão dos infernos Cérbero, designer do abacaxi, e a caixa de leite derramou sua luminosidade branca na direção do embalador de CDs. O Diabo levantou-se, rosnou algo em latim enquanto súcubos voavam de sua boca e então, irritado, pediu licença e saiu.
Após esse fiasco, o inventor voltou para seu quarto e usou os cinco controles remotos necessários para operar o videocassete. Frustrado, fechou os olhos e pensou na eternidade que o aguardava no inferno e em como provavelmente nunca mais veria um floco de neve ou um picolé de chocolate. Mas, então, lembrou da bela refeição que acabara de fazer e de seus novos amigos, e concluiu que flocos de neve e picolés de chocolate não eram tão deliciosos assim. Pensou que a eternidade vindoura podia não ser tão ruim, afinal. Uma batida na porta, e a serpente entrou.
- O Diabo me pediu que lhe passasse sua tarefa – disse ela. – Às vezes ele sente dores de cabeça terríveis e quer que você esteja lá para abrir o frasco de aspirinas.
- Acho que consigo fazer isso – respondeu o inventor.
- Mas fique sabendo que ele gosta de uma aspirina nova a cada vez, de forma que você vai ter de retirar o aro de segurança, a tampa à prova de crianças e o selo de alumínio – explicou a serpente.
O invetor suspirou aliviado.
- Sem problemas.
- Que bom – disse a serpente, virando-se para sair.
Foi então que um tremor percorreu o corpo do inventor.
- Só me diga uma coisa – a voz dele tremia de nervozismo. – Quem vai tirar o algodão de dentro do frasco?
A serpente voltou-se devagar, seu rosto transformando-se no semblante de Belzebu. Então sua voz ficou mais grave e se alterou, como se viesse das entranhas do inferno:
- Você, ora! – respondeu. – Rá, rá, rá, rá, rá!

(fonte: Livro Rir é o Melhor Remédio – Seleções Reader´s Digest)

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